9 coisas que realmente te tornam uma feminista melhor

Texto original de Setembro/2015, em inglês, por Meghan Murphy para a Feminist Current, link original : http://www.feministcurrent.com/2015/09/11/9-things-that-really-do-make-you-a-better-feminist-than-everybody-else/

Tradução Livre por Maria V.


Porque ler Bustle, você pode perguntar? Bom, naturalmente pelas hilárias listas como a que foi publicada ontem, chamada “9 coisas que não te tornam uma feminista melhor que os outros”. Eu vou te salvar uns minutos que você pode desperdiçar enquanto tira fotos do seu gato e fazer um resumo: Tudo que você faz é feminista e todos são feministas e também feminismo é o que quer que você diga que ele é!

Se sente melhor? Que bom. Eu estou ansiosamente esperando a próxima lista deles, “11 coisas que não tornam Marx um comunista melhor que você”. Você é dono dos meios de produção? E daí?! Não deixe ninguém limitar seu comunismo #comunismoéparatodos. Nasceu rico mas sempre se sentiu mais como um membro da classe trabalhadora por dentro? Nenhum problema. Tomar uma identidade proletária é uma ótima maneira de subverter o sistema de classes.

Mas estou divagando. O lado bom da lista do Bustle é que me inspirou a fazer uma lista própria. Aqui estão nove coisas que de fato te tornam uma feminista melhor:

1) Ser uma mulher

Você pode ser um aliado poderoso para feministas mesmo se você for homem, mas você nunca vai entender completamente a experiência de ser mulher. Porque mulheres são o grupo de humanos que é oprimido pelo patriarcado, como uma classe, e homens são o grupo dominante de humanos nesse sistema então mulheres são as que devem liderar o movimento em direção a sua libertação. Ser uma mulher é central para ser feminista porque feminismo é um movimento de e para mulheres. Enquanto homens também são impactados negativamente pelo patriarcado, no final das contas são homens que se beneficiam dele e mulheres que sofrem com ele nas mãos de homens. O melhor jeito de apoiar o movimento feminista, como um homem, é desafiar outros homens, o privilégio masculino e a violência masculina, De fato, isso é uma boa ajuda e nos salva tempo de ter que estar constantemente explicando para cada homem que conhecemos porque nós não somos de fato brinquedos sexuais. Você pode fazer tudo isso sem se chamar de feminista. Façam, não fiquem contando sobre, garotos.

2) Entender que feminismo não é um sentimento ou uma identidade mas um movimento político.

Feminismo não é sobre usar uma camiseta que diz “sou feminista”. Não é sobre dizer que você é feminista simplesmente por dizer mesmo que você não tenha interesse nenhum em libertar as mulheres da opressão patriarcal. É ok ser nova no feminismo e estar aprendendo – você não tem que saber tudo sobre o movimento para se juntar a ele, mas você tem que entender que não é uma palavra maleável, uma marca, ou um produto a ser ofertado, propagandeado. Ninguém nunca diria “Socialismo é o que você quer que ele seja! Você faz você, cara.” Porque isso é estúpido e também factualmente incorreto.

Se você acha que objetificar mulheres, assédio nas ruas, privilégio masculino, esteriótipos de gênero ou sexualização da violência contra a mulher são coisas boas e ok, então você não é feminista. Tirar uma “selfie”, casar, usar salto alto ou ganhar um bom salário não é feminismo (porém feministas as vezes fazem essas coisas, vê como funciona?). Porque feminismo não é sobre você como um indivíduo se sentindo pessoalmente “bem” ou “empoderada” no momento. Se sentir empoderada não necessariamente produz feminismo. Similarmente, se sentir “bem” não é o mesmo que empoderamento. Empoderamento, no contexto do feminismo, significa empoderamento social para um grupo de pessoas marginalizadas (neste caso, mulheres). É por isso que, por exemplo, posar nua e se sentir sexy numa revista de moda ou de pornografia talvez faça você se sentir bem individualmente (você receberá reforço positivo, se sentirá atraente, terá ganho financeiro, etc) mas não constitui “empoderamento” pois não faz nada para elevar as mulheres enquanto classe.

3) Parar com essa bobagem “anti-intelectual”

Por favor gente! Pensar não é algo ruim. Claro que você não precisa de um grau acadêmico para fazer o feminismo acontecer, óbvio! Mas na mesma linha, essa coisa de “foda-se toda ideologia, foda-se toda a teoria, yeah!” é contraprodutiva e ignorante. Não existe ativismo sem ideologia. Ideologia é o corpo de ideias que enquadra um movimento político. Nós precisamos disso, ou então como diabos vamos saber o que estamos fazendo? (Oi, o que foi? Nós estamos só tirando selfies e gritando “interseccionalidade” umas para as outras no Twitter? Ótimo! Foda-se a ideologia. Fodam-se os movimentos sociais. Uhul!). Da mesma forma, entender a história do movimento é uma coisa positiva. Garante que nós não “reinventemos a roda” de novo e de novo. Garante que nós não reescrevamos a história efetivamente apagando o trabalho e ativismo de milhares e milhares de mulheres que lutaram por alguns dos direitos que nós temos hoje.

Entender como pensar criticamente, entender a ideologia feminista, entender a história do feminismo – essas coisas não são para uma elite esnobe, essas coisas são a fundação. De outra maneira nós não atingimos nada e ficamos perdidas cegamente gritando “Poder para as vadias!” em direção ao abismo. Educação não é algo ruim, é algo bom que foi tornado inacessível para muitas pessoas pelo mundo. Mas educação não é o problema, o sistema é.

4) Entender que o feminismo não é sobre ser politicamente correta

Por favor não me entenda errado nessa aqui – ser feminista significa que uma deve ser respeitosa com as palavras e ações em relação as outras. Dizer e fazer a porra que quisermos quando quisermos é egoísta e irresponsável. Mas nossos esforços para evitarmos sermos ofensivas não precisam nos levar para o politicamente correto.

Ser feminista significa que você pensa criticamente sobre o mundo a sua volta. Você não toma nada como garantido e você questiona o status quo, as normas regentes. Você diz a verdade, mesmo que essa verdade deixe as pessoas desconfortáveis. Mudança deixa as pessoas desconfortáveis. Questionar ideologias dominantes deixam as pessoas desconfortáveis. Ser politicamente correta significa ter certeza que você não vai irritar ninguém e significa que você segue a ordem da linha partidária. A linha partidária pode ser “progressiva” ou “liberal”. Pode ser até mesmo uma linha partidária que alguns chamam de “feminista” mas é ainda assim uma linha partidária. No momento que você para de pensar por si própria, começa a repetir mantras que seus pares repetem sem pensar se aqueles mantras de fato fazem sentido, quando você para de ser corajosa, para de questionar a ideologia e as mensagens por trás do discurso popular, esse é o momento que você não é mais um agente de mudança e sim uma seguidora.

Muitas feministas hoje em dia estão com medo de dizer algo controverso e é deprimente pra caramba. Feministas jovens estão com medo de falar ou questionar o discurso popular com medo de serem rotuladas como intolerantes ou alguma versão de “fóbicas”. Ao invés de empurrarmos de volta, nós que estamos sendo empurradas. Discordância é algo bom. Sua habilidade de pensar por si própria e questionar ideias que são presumidas como corretas é crítica.

5) Não ser desrespeitosa com as mais velhas

Em que ponto ser desrespeitosa com as mais velhas se tornou aceitável no feminismo? Ah é…na Terceira Onda. Ok, então, nós entendemos que adolescentes rebeldes querem dar uma de “você não é minha mãe de verdade” e bater a porta na cara das mais velhas, mas nós não somos adolescentes rebeldes. Nós somos adultas. E se você é feminista é inaceitável utilizar como insulto a palavra “segunda onda”. Isso é ódio as mulheres, é anti-feminista e um lixo desrespeitoso com as que vieram antes de nós, e se você quer fazer isso parabéns, você está reproduzindo o trabalho do patriarcado. Mantenha sua ignorância e continue perpetuando noções sexistas de que mulheres que não são mais jovens são bobas, fora de moda, puritanas indo para o asilo jogar Bingo mas saiba que você não é feminista. Mulheres que estão a mais tempo no movimento provavelmente sabem mais do que você e nós não vamos a lugar nenhum sem elas.

6) Não acusar feministas de odiar sexo ou odiar homens como se fosse algo ruim

Mulheres estão permitidas a odiar homens e a odiar sexo. Odiar homens e odiar sexo é perfeitamente natural. Homens e sexo com homens tem sido a origem de traumas para incontáveis mulheres através dos séculos. Também é perfeitamente natural amar homens em particular e gostar de sexo. Nenhuma dessas realidades são coisas que deveriam ser usadas por feministas para insultar, atacar ou dispensar outras feministas. Ao acusar feministas que desafiam a violência masculina de “odiadoras de sexo” ou “odiadoras de homens” você está reforçando o lixo heteronormativo e alimentando os esteriótipos que dizem que feministas são simplesmente raivosas porque não estão sendo fodidas o suficiente. Essas acusações estão ligadas com a cultura de estupro – é a ideia de que homens podem foder mulheres até a passividade ou foder elas até a heterossexualidade. É a ideia de que apenas mulheres “fodíveis” são mulheres “de verdade”. É a ideia de que mulheres precisam de homens para serem pessoas completas e ainda – que elas existem apenas em relação aos homens. Estas ideias são anti-feministas.

Se uma mulher gosta ou não de homens, gosta ou não de sexo, não deveria ter qualquer peso no seu valor e não diz respeito a se a vida delas, suas ideias, palavras ou ativismo tem significado ou não. Aquilo que o feminismo luta contra é exatamente a noção de que a relação das mulheres para com os homens é o que as torna visíveis e valiosas como seres humanos. É similar ao atacar uma mulher dizendo que ela é feia. Mulheres não existem para serem olhadas ou para foderem com homens. Elas tem o direito de existirem por si próprias! Leve seu machismo lesbofóbico de volta pros fóruns de Direitos dos Homens. Eles amarão isso lá.

7) Não ser ativista do direito dos homens (MRA)

Falando em direito dos homens, sabe o que definitivamente te torna uma feminista melhor? Lutar pelos direitos das mulheres, não pelos direitos dos homens. E com isso eu quero dizer que, invés de lutar pelo direito dos homens de pagarem por um boquete, tente lutar pelos direitos humanos das mulheres, o que inclui a possibilidade de ter moradia e comida sem ter que prover boquetes aos homens. Um aspecto frequentemente não olhado, porém essencial do feminismo é a ideia de que mulheres são seres humanos. É isso mesmo! Nós somos radicais assim. E porque nós somos humanas e merecemos coisas como comida, água e abrigo, nós devemos poder ter acesso a elas sem ter que foder com homens estranhos ou sermos submetidas a abuso. Se você acha que homens tem DIREITO a sexo, você está no caminho errado. Ninguém tem direito a sexo. Não é um direito humano. Seu fetiche por mulheres asiáticas, pornô com garotas colegiais, chamar mulheres de putas enquanto puxa o cabelo delas e as sufoca não é uma parte inata da sua sexualidade. Só significa que você fica excitado desumanizando mulheres.

8) Entender que nudez e objetificação não são a mesma coisa

Feministas não odeiam os corpos nus de mulheres. Nós amamos os corpos de mulheres. Nós temos eles! Nós usamos eles todos os dias para coisas como comer, andar e abraçar filhotinhos de animais. Nós amaríamos se esses corpos pertencessem a nós, para nosso uso e prazer ao invés da população masculina.

Nossos corpos não existem para serem admirados, sexualizados ou fodidos. Eles existem para nós vivermos neles. Nossa cultura fundiu sexo e sexualidade em um nível tão alto que nós acreditamos que eles são uma coisa só. Mas eles não são. Objetificação pode “sentir” como algo sexy porque nós aprendemos a sexualizar a objetificação. Nós aprendemos a performar sexualidade invés de senti-la. O motivo pelo qual nudez feminina é tão preocupante não é porque feministas estão com medo de sua própria pele mas porque não é permitida a nudez feminina existir fora da pornificação. É por isso que as pessoas surtam quando veem mulheres amamentando em público. Porque nós pensamos que o único motivo para um seio estar para fora é para homens olharem para ele. Pare de transformar nossos corpos em material de ejaculação e talvez o “puritanismo” da sociedade se desmantele.

9) Pelo amor da deusa, pare de tentar fazer o feminismo parecer legal e bacana

Tornar o feminismo popular não funciona. Não porque eu não acho que feminismo não deveria ser popular mas porque para vender ele para as massas de hoje ele precisa ser tão diluído ao ponto de perder todo seu significado, (é só ver a lista Bustle original). Nós não precisamos nos vender. Nós não deveríamos ter que nos vender. Nós podemos manter nossos valores e ainda assim trazer mulheres para luta. Se pessoas não querem vir para a luta com o feminismo de fato porque elas não gostam do feminismo de fato, então talvez elas precisem de mais um tempo para pensar. Ou talvez elas não sejam feministas. Eu sou totalmente a favor da educação mas vamos fazer isso direito. Tornar o feminismo sexy e digestível para pessoas que não acham que o patriarcado é um problema não vai ajudar o feminismo. Ser feminista não significa que você não pode ser legal e bacana ou até mesmo atraente mas o feminismo de verdade não é sobre ser legal, bacana e atraente. Simplesmente não é tão divertido, legal, bacana ou atrativo. O que eu quero dizer é, nós estamos lutando contra coisas como abuso doméstico, estupro, escravidão sexual, incesto, pedofilia e feminicídio. Não é legal, divertido e sexy. Esse não é o ponto. Feminismo não é a porra de uma moda.

3 comments

  1. Mila · November 18, 2015

    Estou chegando no feminismo radical agora. Depois de passar pelo liberal e inconscientemente lutar pela aceitação de “gurus femininas liberais”, assim como biscoitinho de omi, eu finalmente entendi que tava fazendo tudo errado.
    Agradeço ao feminismo radical e ao trabalho de muitas mulheres verdadeiramente alinhadas com nossa causa, foi graças a elas que estou abrindo meus olhos pra realidade, o que é doloroso, mas necessário.
    Vocês me dão forças, o que no momento é o que preciso. ❤

    Like

    • IGN · January 11, 2016

      Eu sei como é isso…perdi muito tempo com essa também,e cheguei a me achar um lixo,tipo,se as “sexposer não me aceitarem eu sou uma fracassada”…..eu me enojei quando eu comecei a ver tanto homem lá forçando barra para nossa objetificação sexual ser vista como direito,e induzindo através de estupros emocionais,as “feministas” ficarem do lado deles…é muita colonização,muita mulher sendo escrava funcional….o pior é que esse pessoal tem mais força de atingir público do que as radicais,infelizmente…

      Like

  2. Marise · September 20, 2016

    Muito bom!

    Like

Leave a reply to Marise Cancel reply